sexta-feira, 6 de junho de 2008

Ensaio sobre o fim

Havia um riacho correndo atrás da casa. O riacho crescia até virar um ribeirão, escondido entre a pastagem da fazenda. Me alertaram de que no curso do riacho havia uma sucuri, que deslizava silenciosa na superfície da água, até ficar completamente imóvel e imperceptível às suas presas. A sucuri estava matando o rebanho e a pastagem estava ficando abandonada.
Na casa da fazenda mora um casal de velhinhos que não consegue mais cuidar de tudo sozinho. O engenho parou de funcionar, a cana não é mais moída, o gado está se perdendo e a casa se enchendo de poeira, teias de aranhas - com suas respectivas aranhas -, e outros insetos que fariam qualquer indivíduo da cidade pular e gritar. Mas não eles. Para eles, é normal ter uma sucuri no quintal de casa e insetos como companhia.
Naquela noite, a família que os visitava se reuniu na varanda depois do jantar. Desligaram a luz que estava conectada à bateria do carro - a rede elétrica parara a 250 km da fazenda. Coisas que a politicagem e a época de campanha fazem no interior do Tocantins - e, estupefatos, olharam os milhões de estrelas que apareceram no céu. Constelações, pedaços visíveis da Via Lactea, pontinhos quase apagados no céu escuro. Uma estrela cadente passou e todos sorriram entusiasmados.
Coisa rara de se ver na cidade é um céu estrelado. As luzes criadas pela civilização ofuscam a luz natural do espaço. Ao longe, uma arara voou e, "gritando", fez o cachorro latir, os vaga-lumes sumirem, mas não mudou obrilho que vinha do alto. O silêncio que se seguiu, um incômodo nas grandes cidades, foi apreciado por todos. E a brisa leve soprou com um cheiro de saudade.
Os velhinhos vão mudar para a cidade e vão deixar toda uma vida para trás. Vão em busca de segurança, conforto e cuidado que eles precisam ter no final da vida. Ele põe a mão sobre a porteira e se contém para não chorar - esses dias ele tem estado bem mais emotivo. E, com os olhos lacrimejando, abre seu sorriso e declara esperançoso: "Deus vai ajudar nóis, né?".
A casa já está comprada, a fazenda ainda não foi vendida. Mas até agosto eles mudam, garante ele. Ela olha desconsolada para o quintal por varrer. O porco está solto e briga com o cachorro pelas sobras do almoço. Tem uma sucuri no riacho atrás da casa, me avisaram. Mas nada disso parece importar muito. A falta maior vai ser daquele céu estrelado, com tantos pontos luminosos que na cidade não se vê. E pensar que muitos ali nem existem mais....e o casal sequer vai poder perceber que o brilho das estrelas mudou.

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