quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Boneca de pano


Num dia 13 de janeiro, de um novo ano, o desejo de tranformação foi manifestado. Há uma semana ele vinha tomando forma e invadindo os pensamentos da boneca de pano caída no canto do quarto. Sem muita vida, nem muito enchimento, a boneca olhava a parede por um longo período do dia, imaginando se as cores que um dia seus olhos captaram ainda existiam.

Até que pela parede branca se abriu uma pequena rachadura. Do buraquinho que se formou, uma formiga saiu. Depois outra e mais outra e mais outra. A boneca as encarou com curiosidade. E por um instante pretendeu mover os olhos na direção que as formigas caminhavam, tão rapidamente e com tanta segurança.
Sabiam elas onde estavam indo? E por que estavam indo? Por que abandonaram o vão da rachadura? Por que, justo agora, resolveram se mover?

A boneca viu que o número de formigas aumentava a cada instante e logo havia um verdadeiro trânsito delas à sua frente. Mão e contra-mão, as formigas subiam e desciam pelo vão. Ficar quietas não fazia parte de sua rotina. E isso despertou o interesse da boneca.

Um tanto sem forças para se erguer do canto da parede, aquele pedacinho de pano com enchimento foi movida pela vontade de olhar para cima, de procurar outras diversões, de descobrir o mundo em que as formigas passeavam.

Não era fácil. Depois de tanto tempo sentada frouxamente no canto da parede, as pernas não tinham forças para se mover. A cabeça, quase grudada aos ombros, custava para esticar uma fibra. Se tivesse glândulas, a boneca suaria.
A primeira tentativa foi piscar os olhos e acordar do marasmo. Com algum esforço ela piscou. Sorriu e piscou de novo. Depois, girou a cabeça. Girou e olhou em todas as direções. Depois, com a vontade crescendo e a força aumentando, se impulsionou e ergueu o corpinho flácido e quase sem espuma. Se equilibrou nas pernas e deu o primeiro passo.

"Vitória!", pensou, feliz, a bonequinha. Deu outro passo, dominando o desequilíbrio. Firmou a direção e explorou cada canto do quarto. Olhou as paredes e descobriu formigas, aranhas, lagartixas e escorpiões.
Descobriu uma casa que a ninguém mais pertencia. Descobriu que fora esquecida junto ao lixo abandonado. Mas com o ânimo revigorado pela vitória da independência, escalou as caixas perto da janela, escapou pelo buraco aberto no vidro e saiu pelo jardim, pronta a conhecer o mundo que, até então, só existia na imaginação.

3 comentários:

Flávia disse...

O texto está lindo...que 2010 seja um ano de novidades e aventuras para nós também!

Hayet disse...

uau! que louco!
mil metáforas né não? Amei, sis, lindo, bem escrito e cheio de reflexões...

vana disse...

Seus textos são muito delicados. Uma graça! Parabéns.Tenho vindo sempre aqui, já está na minha lista de favoritos!